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Esperança Garcia e Myrthes de Campos são símbolos da advocacia feminina

  • Foto do escritor: Carvalho Neto Advogados
    Carvalho Neto Advogados
  • 7 de mar.
  • 4 min de leitura

Com raízes no movimento trabalhista da segunda década do século XX, e oficializado pela ONU em 1975, o Dia Internacional das Mulheres, celebrado em 8 de março, mantém viva a história das lutas femininas por igualdade. No Direito não foi diferente. Seja nas denúncias de Esperança Garcia, seja na persistência de Myrthes Gomes de Campos, reconhecidas como advogadas pioneiras do Brasil.


Advocacia Feminina: coragem e pioneirismo


Escravizada no século XVIII, em Oeiras (sul do Piauí), Esperança Garcia foi reconhecida, em 2022, pelo Conselho Pleno da OAB Nacional como a primeira advogada do país. Em 1770, ela escreveu uma carta de próprio punho a Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, governador da província de São José do Piauí, denunciando os maus-tratos que sofria sob o comando do Capitão Antônio Vieira do Couto.


Esperança Garcia
Esperança Garcia

No texto, Esperança Garcia relata ter sido retirada da Fazenda Algodões, onde vivia com seu marido, bem como as “grandes trovoadas de pancadas” sofridas por um filho dela, ainda criança, e a violência sofrida por ela, que, no documento, se descreve como “um colchão de pancadas”.


Na carta, Esperança Garcia também se queixa do fato de que ela e mais três mulheres escravizadas estavam há três anos sem poder se confessar, além de mencionar que havia uma criança sua e mais duas sem batismo. Por fim, Esperança Garcia pede ao governador que fosse mandada de volta à Fazenda Algodões, para viver com o marido, e que sua filha fosse batizada.

Uma cópia da carta foi encontrada pelo historiador Luiz Mott, em 1979, durante uma pesquisa no arquivo público do Piauí. Em 2017, a OAB Piauí aceitou o pedido da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da entidade, reconheceu o documento como um habeas corpus e Esperança Garcia a primeira advogada piauiense. A convivência com padres jesuítas pode explicar o fato de essa mulher escravizada ter sido alfabetizada. Leia a íntegra da missiva no final desta matéria.


Myrthes de Campos


Nascida em Macaé, em 1875, Myrthes Gomes de Campos estudou no Liceu de Humanidades, em Campos (norte do Rio de Janeiro). Após concluir essa etapa do aprendizado, mesmo com a desaprovação do pai, mudou-se para a capital fluminense, então Distrito Federal, e ingressou na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, onde se bacharelou em 1898.


Myrthes Gomes de Campos
Myrthes Gomes de Campos

Depois de formada, Myrthes de Campos enfrentou resistências no Tribunal da Relação do Rio de Janeiro para que seu diploma fosse autenticado, na secretaria da Corte de Apelação do Distrito Federal para que fosse reconhecido e para se filiar ao Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), entidade que, à época, correspondia à OAB.


De acordo com as professoras Lucia Maria Paschoal Guimarães e Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira, no artigo “Myrthes Gomes de Campos (1875-?): Pioneirismo na Luta pelo Exercício da Advocacia e Defesa da Emancipação Feminina”, apesar do parecer favorável da Comissão de Justiça, Legislação e Jurisprudência da IAB, a filiação de Myrthes de Campos foi negada.


Persistente, ela abriu seu escritório no centro do Rio de Janeiro e, posteriormente, foi admitida no Tribunal do Júri por decisão do juiz Viveiros de Castro, conforme esclarecem as pesquisadoras. Em setembro de 1899, Myrthes de Campos patrocinou o júri de um criminoso acusado de agredir um homem com golpes de navalha, tornando-se a primeira mulher a exercer efetivamente a profissão de advogada no Brasil.


No entanto, ela só conseguiu ter sua filiação aprovada ao IAB em 12 de julho de 1906, sete anos depois de ter sido habilitada legalmente a exercer a profissão no Tribunal do Júri. Segundo as professoras Lucia Guimarães e Tânia Ferreira, com a aceitação de Myrthes de Campos no Instituto, o debate de temas como divórcio, trabalho feminino, caixas de maternidade e o trabalho infantil e a regularização do trabalho ganharam força na entidade.


Observadas as histórias de Esperança Garcia e Myrthes de Campos, pode-se dizer que os exemplos dessas pioneiras têm, em si, as mesmas aspirações e ideais do Dia Internacional da Mulher (8 de março). Portanto, devem ser tomados como referência para o reconhecimento e valorização da advocacia feminina.


Carta escrita por Esperança Garcia


"Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal.


A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha aos olhos em mim ordenando digo mandar ao procurador que mande para a fazenda de onde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha.


De V.S.ª sua escrava, Esperança Garcia."


Carta escrita por Esperança Garcia
Carta escrita por Esperança Garcia

 

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